Como muita gente, passei o último mês viciada em Beleza Fatal. Comentando sobre a novela — e correndo o risco de parecer meio psicopata — admiti em voz alta na copa do escritório: “Amo quando a história tem sofrimento de pobre.” Calma, eu explico. Quanto mais desgraça acontece na vida do protagonista, em um formato específico de narrativa, mais força ele tem quando dá a volta por cima da metade pro final.
Beleza Fatal, nesse sentido, bebe das fontes de Todas as Flores, Avenida Brasil e tantos outros títulos nos quais os mocinhos passam por incêndios, morte de grandes amores, prisão, tráfico de pessoas e mais tantos pães que o diabo amassou antes da sua virada dramática. No insight da vingança — sempre acompanhado de uma troca de cabelo drástica, de identidade e de personalidade daquele que cansou de ser maltratado — temos uma cena no espelho, fotos rasgadas e interpretações brilhantes.
Modelos prontos, formatos previsíveis, histórias parecidas... Será que podemos chamar de clichês? Na minha opinião, sim. E mais: precisamos perder o medo dessa palavra. O clichê como antônimo de originalidade não funciona no entretenimento, sejamos francos. Podemos usar cenas óbvias com criatividade. E deveríamos.
Trabalhar com arte e cultura é ver muitos colegas tentando inovar e descobrir a América. Essa sede é uma gracinha. Já estive lá. E assim, experimentando, algumas pessoas até conseguem desenvolver coisas bem diferentonas e interessantes.
Mas podemos simplesmente aceitar que não vamos inventar a roda e aproveitar o que tá rolando por aí adicionando o twist da nossa personalidade.
Clichês funcionam. Jornada do herói? Funciona. Vilões carismáticos e sem coração? Batata.
Lolla tem muito de Carminha, que tem muito de Paola Bracho. Se seguirmos esse fio, vamos chegar no meu vilão favorito: Ricardo III. E, se formos falar de Shakespeare, é um buraco sem fundo nas suas narrativas copiadas de fatos históricos, tragédias gregas, lendas urbanas e tantas outras referências que ele trouxe sem chover no molhado. E o sucesso de grandíssimos vilões — com seus bordões, tendências de moda, memes e atores e atrizes maravilhosos — é só uma história que já foi contada várias vezes, sendo incrivelmente trabalhada na mágica da arte.
Isso também acontece muito em filmes de ação. 124 espiões, atiradores e ninjas treinados contra um homem branco desarmado? Vitória do homem branco. Que sabor. Nesse sentido, precisamos falar de John Wick. O cara tá aposentado do universo do crime quando matam seu cachorro. Ah, meu irmão... sai da frente. Tem todos os clichês: pessoas apavoradas ao saber que ele voltou à ativa, com cenas mais longas que o necessário pronunciando o nome do protagonista-título, tremendo de medo; carros explodindo; e Keanu Reeves desenterrando suas armas para se preparar para grandes batalhas, sempre com seu cabelo longo caindo no olho, mas que não o impede de acertar o alvo quando chega a hora.
É aquela mentirada boa, a alienação bem escrita. Você piscou eu estou assistindo pela milésima vez. E não é só John Wick e suas continuações, abraço os clichês de ação até o fim. Um outro favorito é o filme que eu gosto de chamar de “Denzel Washington salvando os pobres oprimidos” (ou o que você deve conhecer como O Protetor). E não vou nem falar das cenas icônicas de todos os filmes da franquia Bourne.
O ponto chave é que nós, criadores e criativos, precisamos parar de ter medo dos clichês. E não tô falando de plágio, claro. Tô falando de perder o medo de se inspirar no formato que existe, e que já sabemos que funciona. Dá pra fazer uma bossa bacana com beijo na chuva, mão na testa e descendo lentamente pela parede. No fim das contas, o que toca a gente não é a originalidade pura, é o reconhecimento. A gente ama clichês porque eles falam uma língua que já entendemos, referenciamos e associamos. O segredo é brincar a partir do óbvio, jogando junto com ele. Você não vai inventar a roda. Que bom.